sexta-feira, 23 de julho de 2010

Rio Grande do Norte: História

Na divisão do Brasil em capitanias, coube o Rio Grande do Norte a João de Barros, feitor da Casa da Índia e Mina e futuro cronista das Décadas da Ásia. Media cem léguas de costa, contadas para o norte desde a baía da Traição, limite de Itamaracá, e incluía parte da atual Paraíba.

Na frustrada expedição colonizadora empreendida em 1535, alguns dos dez navios se perderam e foram dar às Antilhas. De volta do Maranhão, os dois filhos de João de Barros, João e Jerônimo, fracassaram na tentativa de fixar-se no Rio Grande do Norte e os selvagens potiguares devoraram os poucos homens que se aventuraram em terra. Em 1555, uma segunda expedição, em que de novo tomaram parte os filhos de Barros, foi também desastrosa. O donatário continuou interessado na capitania, assegurando-se dos seus limites, administrando-a através de um procurador, arrendando trechos do território para extração de pau-brasil ou coleta de búzios. Mas nunca tomou posse da terra, que reverteu à coroa depois de 1580.

A capitania tornara-se, em anos de abandono, alvo de traficantes franceses de madeira, como Jacques Riffault, que os portugueses chamavam Refoles, e que em 1594 se instalara, com a convivência dos índios, no estuário do rio Potenji. Só em 1598 os piratas foram dali desalojados, por iniciativa do nono governador-geral, D. Francisco de Sousa, numa campanha em que se distinguiram o capitão-mor de Pernambuco, Manuel de Mascarenhas Homem, comandante da operação, e Jerônimo de Albuquerque, depois Maranhão.

Este último fez construir no local o belo forte que, projetado pelo jesuíta espanhol Gaspar de Samperes, se chamou dos Reis, Santos Reis ou Reis Magos, por ter sido começado em 6 de janeiro. Junto à fortaleza formou um aldeamento que, em 25 de dezembro de 1599, recebeu o nome de cidade do Natal. Reconstruído seguidamente na colônia, o forte teve então importante papel como centro de submissão dos nativos, cuja definita pacificação viria mais tarde, por obra dos jesuítas, como o próprio Samperes, Francisco de Lemos e Francisco Pinto, que os potiguares chamavam Amanaiara (senhor da chuva).

Eram numerosíssimos na região os silvícolas das raças tupi (os potiguares) e cariri (paiacus, paiins, monxorós, pegas, caborés, icozinhos, panatis, ariús, janduís). O apresamento, a miscigenação, as doenças importadas e o extermínio à mão armada dizimaram-nos rapidamente. Um censo de 1844 registrou pouco mais de seis mil indivíduos.

O negro, cujo advento coincidiu com a fundação da capital, nunca chegou a ser dominante no Rio Grande do Norte. Seu número aumentou quando o pastoreio cedeu lugar à cultura da cana e, depois, do algodão (gado e cana-de-açúcar provieram de Pernambuco). Caiu, quando teve início, no fim do século XIX, novo ciclo pecuário. Da mestiçagem do português (do Alentejo, das ilhas, do Minho) com o índio proveio o grosso da população. Vaqueiros, peões, cantadores são, até hoje, em grande maioria, caboclos de pele morena, cabelo escorrido e braquicefalia cariri. Mulatos e cabrochas ocorrem em muito menor número do que nos estados vizinhos.

Os holandeses não deixaram marca étnica apreciável no estado. Também não modificaram a expansão geográfica, pois sua conquista ignorou o sertão. Só a partir de 1654 começaria a penetração, com pequenas boiadas e malgrado a oposição indígena. No Rio Grande do Norte, como em outros lugares do país, o gado foi responsável pela abertura dos caminhos e, depois, pela fixação da população no interior. Inúmeros terreiros de fazenda transformaram-se em praças centrais de lugarejos. Pode-se mesmo dizer que quase todas as sedes municipais do interior do Nordeste foram antigas fazendas de criação.

A capitania. Pouco se sabe dos primeiros anos da capitania. Funcionou como presídio militar no século XVII. Em 1611 demarcou-se a fronteira com a Paraíba. Não havia governo civil. O capitão-mor ditava a lei, distribuía justiça e terras, comandava o forte. Este constituía a mais setentrional das posições portuguesas na costa do pau-brasil. Interessados em neutralizá-lo, em capturar os rebanhos e as salinas de Macau e Moçoró, os holandeses apareceram repetidas vezes diante da praça -- em 1625, com Edam Boudewinj Hendrikszoon; em 1630, com Adriano Verdonck; em 1631, com o índio Marcial ou Marciliano, fugitivo dos acampamentos portugueses e primeiro elemento de ligação entre as tribos e o batavo, a quem propunham aliança contra os portugueses.

Só em 5 de dezembro de 1633 partiu afinal de Recife, contando com a colaboração de Calabar, a grande expedição que deveria conquistar o Rio Grande do Norte. Onze navios, sob o comando do almirante Jan Corneliszoon Lichthardt, conduziam 808 soldados, víveres para nove semanas, tripulações e munições. A guarnição portuguesa, comandada pelo capitão Pero Mendes de Gouveia, rendeu-se; o forte dos Reis Magos passou a se chamar castelo de Keulen, e Natal, Nova Amsterdam. A ocupação se prolongou por vinte anos e seria de violência e rapina. Os holandeses não se interessaram pelo sertão, mas seus barcos navegaram até a foz do rio Açu para buscar sal de Macau e Moçoró. O holandês não se afastou do litoral nem do agreste, onde estavam, além das salinas, as melhores reservas de gado, de madeira e de cereais da área ocupada, que eram as únicas coisas que interessavam à Companhia das Índias Ocidentais.

Derrotados pelos patriotas nas Tabocas, em 1645, os invasores procederam a massacres e em 1648 foram derrotados por Henrique Dias na ilha da lagoa Guaraíras. Em fevereiro de 1654 o capitão Francisco de Figueira ocupou o castelo de Keulen, que encontrou abandonado. Com as salvas da ordenança, hasteou-se no mastro do forte a velha bandeira, que vinte anos antes fora arriada diante dos olhos de Pero Mendes Gouveia, triste, ferido e derrotado.

Volta dos portugueses. Só muito lentamente a capitania, devastada, se refez. O primeiro capitão-mor do pós-guerra, Antônio Vaz Gondim, que governou de 1654 a 1663 e de 1673 a 1677, cuidou da restauração do forte dos Reis Magos, da reconstrução da capital e do repovoamento. Geraldo de Suni, que administrou a capitania entre os anos de 1679 e 1681, encetou a exploração regular das salinas do litoral de Touros e ampliou a área conquistada ao sertão. Antônio da Silva Barbosa governou de 1681 a 1682, continuou a concessão de sesmarias. Contudo, seu sucessor, Manuel Muniz, deveu ainda fazer ao rei melancólico relato das condições locais.

Sem recursos para a compra de negros, os colonos passaram a caçar índios, o que levou à guerra dos bárbaros, guerra do Açu ou confederação dos cariris, a maior revolta de índios já registrada no Brasil. A fase mais intensa durou de 1687 a 1697, mas o conflito se prolongou, embora com menor intensidade e de forma intermitente, até 1713. Dizimou os rebanhos, mas teve um resultado positivo: o Rio Grande do Norte foi trilhado de norte a sul e ocupado desde o litoral até o fundo do sertão. Em 1695, o Senado da Câmara informava ao capitão-mor que todas as terras tinham sido doadas.

A capitania dependia administrativamente do governo de Pernambuco desde 1701, o que muito lhe retardou o desenvolvimento. Só em 1820 criou-se a alfândega independente de Natal. O cerceamento da indústria da carne seca de Açu e Moçoró e a proibição da exportação do sal impediram qualquer progresso econômico. Só em 1808, com a trasladação da corte real portuguesa para o Brasil, o comércio do sal, liberado, tomaria impulso.

Havia importante atividade de criação, mas os laticínios (leite, coalhada, requeijão-do-norte, queijo-do-seridó) esgotavam-se no consumo local. E a lavoura era incipiente, de subsistência (milho, feijão, mandioca). As únicas atividades rendosas eram a exportação de boi em pé (seis mil cabeças por ano, segundo dados de 1799) e de peixe seco para as capitanias do sul. Vendiam-se, também, couros e peles, açúcar, algodão, pau-brasil e tatajuba (Bagassa guianensis), que fornecia madeira de construção e tinturaria, casca para curtumes e resina de valor medicinal. Substituída como corante pelas anilinas, perderia seu mercado tradicional, a França, no século XIX.

A capitania participou -- através do padre Miguelinho -- da revolução de 1817. O governador José Inácio Borges foi, nessa ocasião, deposto pelo coronel André de Albuquerque Maranhão, morto, em seguida, a faca. Sua família manteve um dos primeiros engenhos da região, o de Cunhaú, que, por volta de 1630, já produzia por safra de seis mil a sete mil arrobas de açúcar. A plantação de cana desenvolveu-se por essa época e deu origem a uma série de novas vilas: Portalegre (1761), São José (1762), Vila Flor (1769) e Nova Princesa, hoje Açu (1788).

A província. Em 1822, com a independência e o império, a capitania transformou-se em província e foi governada por uma junta provisória encabeçada por Manuel Teixeira Barbosa. O primeiro presidente, Tomás de Araújo Pereira, tomou posse em 1824. Daí até a proclamação da república, o Rio Grande do Norte teria 48 presidentes.

Em 1824, a província não aderiu formalmente à Confederação do Equador, embora Tomás de Araújo, de tendências liberais e simpático a Manuel de Carvalho Pais de Andrade, tenha dado aos rebeldes alguma ajuda. Acabou deposto por causa disso. Houve feroz repressão, chefiada pelo sargento-mor Morais Navarro, mas seu sucessor, o coronel Teixeira Barbosa, pacificou os ânimos. Todavia, só em 1853 se inaugurou a chamada política de conciliação e se deu fim às mesquinhas escaramuças dos partidos, que dividiam e imobilizavam a província. Houve, então, modesto surto de progresso material, com a intensificação da cultura algodoeira, e intelectual, com o aparecimento da imprensa, das primeiras escolas dignas desse nome, e do Ateneu.

Em 1865, a rede postal, iniciada timidamente em 1829, cobria quase todo o território. O serviço telegráfico data do governo de Eliseu de Souza Martins, em 1878. Em 1875, chegou a Natal o vapor São Jacinto, inaugurando a escala regular do Lóide Brasileiro.

As grandes secas de 1844-1845 e de 1877, que empobreceram e deslocaram a população sertaneja, tiveram como seqüela o cangaço, que fez seu aparecimento com Jesuíno Brilhante. A província desempenhou papel atuante na campanha abolicionista. Os escravos do município de Moçoró foram todos libertados em 1883. A Lei Áurea coincidiu com a inauguração da primeira fábrica de tecidos, em 1888.

A mais antiga manifestação republicana de grupo na província é a saudação enviada em 30 de setembro de 1871 ao Clube Republicano do Rio de Janeiro. O pernambucano Joaquim Teodoro Cisneiros de Albuquerque encabeçou esse movimento e tentou realizar comícios de propaganda republicana em 1874. No mesmo ano Joaquim Fagundes lançou o Eco Miguelino, folha antimonarquista. Em 1886 surgiu em Caicó o primeiro núcleo republicano, e em julho de 1889 foi publicado no jornal O Povo o "Manifesto republicano ao povo seridoense". Nesse mesmo ano, na sessão de apresentação do último gabinete monárquico, o do visconde de Ouro Preto, o padre João Manuel, deputado pelo Rio Grande do Norte, surpreendeu o plenário com um grito de "Viva a república". Em seguida se retirou da atividade política.

República Velha. O chefe republicano, no estado, que durante muitos anos dominou a política, foi incontestavelmente Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Assumiu o governo em 17 de novembro de 1899 e a ele voltou, eleito pelo Congresso estadual, para o quatriênio 1892-1896, depois do curto interregno do paulista Adolfo Afonso da Silva Gordo, preposto do governo provisório.

Pedro Velho organizou o estado, dando-lhe a feição que se manteve por toda a chamada República Velha. No poder, que exerceu por mais de uma vez, ou fora dele, como deputado federal ou senador, nunca deixou de ter influência decisiva nos negócios públicos. Embora esclarecido, foi um déspota. Com ele, porém, não caiu a oligarquia paternalista que se instalara nos postos de mando. Seu herdeiro político foi Augusto Tavares de Lira, que governou o estado de 1904 a 1906, quando assumiu o cargo de ministro da Justiça.

Dois governadores se destacaram nos últimos quatriênios da República Velha, José Augusto Bezerra de Medeiros, ardoroso defensor do parlamentarismo, e Juvenal Lamartine de Faria, em cujo governo instituiu o voto feminino no estado. O desenvolvimento se acentuara com o século XX. A Estrada de Ferro Central do Rio Grande do Norte foi iniciada em 1904. Afonso Pena, presidente da república, inaugurou pessoalmente o primeiro trecho, de Natal a Ceará-Mirim, em 1906. A estação ferroviária de Natal é de 1917 e o cais das Docas, primeiro porto de desembarque marítimo, de 1932.

Revolução de 1930. O movimento de 1930 desmontou a máquina política, mas inaugurou, em seu lugar, o regime da intervenção federal: em 17 anos, o estado foi governado por 13 interventores, com um pequeno interregno constitucional, o do governo de Rafael Fernandes.

Em 23 de novembro de 1935 instalou-se em Natal um efêmero Comitê Popular Revolucionário, comunista. Ameaçado por tropas de Pernambuco e da Paraíba, dissolveu-se cinco dias depois. Houve combates no interior, sobretudo na serra do Doutor, onde se destacou Dinarte de Medeiros Mariz, futuro governador do estado e senador. Rafael Fernandes continuou no poder, transformado, porém, em interventor pelo advento do Estado Novo, em 1937, e sucedido pelo general Antônio Fernandes Dantas, em 1943. Depois de três outros governadores, só em 1947 assumiu o cargo o primeiro eleito em 12 anos, José Augusto Varela.

O Rio Grande do Norte sempre teve, em decorrência de sua privilegiada situação geográfica, uma singular importância estratégica: é a costa sul-americana mais próxima da Europa. Ou, como diziam os portugueses do reino: "é a mais perto terra que há no Brasil". Daí todas as experiências pioneiras da aviação transatlântica terem tido Natal como ponto de apoio, a começar pelo raid de Gago Coutinho-Sacadura Cabral, e o do Jaú, de Ribeiro de Barros e Newton Braga.

Quando da segunda guerra mundial, os americanos transformaram o raso tabuleiro do Parnamirim em uma grande base aérea, criando a "ponte atlântica para a África", necessária para o controle aliado do continente africano. Com a afluência súbita de militares de todos os quadrantes do mundo -- americanos, ingleses, franceses, russos e canadenses -- Natal transformou-se, progredindo em ritmo surpreendente. As jazidas de xelita (minério de tungstênio) da região do Seridó contribuíram para os arsenais de guerra dos Estados Unidos. Em 29 de janeiro de 1943 ocorreu em Natal o encontro histórico entre os presidentes Vargas e Roosevelt.

História recente. Entre os marcos principais do começo da segunda metade do século ressaltam a criação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, instalada em 1959, e do Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária (crutac), de 1959, e do Centro Rural de 1966. Também na década de 1960, foi iniciada a construção da base de lançamento de foguetes em Barreira do Inferno.

O movimento militar de 1964 encontrou o Rio Grande do Norte governado de Aluísio Alves, político de Angicos, com longa militância no Congresso. Embora o governador apoiasse o regime militar desde a primeira hora e voltasse ao Congresso, em 1966, pelo partido governista, em 1969 teve seu mandato de deputado cassado e seus direitos políticos suspensos, acusado de corrupção. Em 1973 o processo em que fora indiciado foi arquivado por falta de provas.

Na área econômica, a industrialização do estado não caminhou no ritmo desejado, apesar dos investimentos realizados pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). A partir da década de 1970, porém, a exploração de petróleo passou a dar uma significativa contribuição para a economia estadual. Em 1977 o governo do estado submeteu à União um projeto, aprovado pelo Conselho Deliberativo da Sudene, relativo à implantação de um complexo químico-metalúrgico no Rio Grande do Norte.

Em 1990 a implementação de programas de irrigação e a descoberta de petróleo em Moçoró e na região das salinas prometeram boas perspectivas para a economia estadual. Infelizmente, as secas continuavam a afetar as atividades econômicas, principalmente a agropecuária, e a forçar o êxodo de populações rurais para o sul.

Por outro lado, crescia a passos largos a atividade turística, graças à proximidade com a Europa e existência de belíssimas praias e outros atrativos naturais, como as dunas de Natal. Ao mesmo tempo, o governo estadual promovia o desenvolvimento da indústria têxtil, baseada no algodão.