sábado, 8 de maio de 2010

Ceará: História

Américo Vespúcio teria sido o primeiro europeu a passar ao longo da costa cearense, em meados de 1499, quando seu navio percorreu todo o litoral norte do Brasil a partir do cabo de Santo Agostinho, no Rio Grande do Norte. O mesmo percurso foi feito em princípios do ano seguinte por outra caravela espanhola, camandada por Vicente Yañez Pinzón. O Ceará, porém, só começou a ganhar vulto na história do Brasil quando da distribuição das capitanias hereditárias, cabendo a "Capitania do Siará" (1535) a Antônio Cardoso de Barros, fidalgo português que não se animou a tomar posse do feudo que lhe concedera el-rei D. João III. E mal lhe serviu a ingratidão, pois viajando de retorno ao reino, após desempenhar na Bahia o cargo de provedor-mor, embarcou no malfadado navio em que se fizera ao mar o bispo D. Pero Fernandes Sardinha. Naufragando o barco na altura de Alagoas, foram o bispo e o donatário devorados pelos índios caetés (1556). Por causa desse desastre, continuou o Ceará a pertencer a seus naturais -- tupis de língua geral na beira-mar, tapuias de "língua travada" no interior -- durante toda a segunda metade do século XVI.

Conquista do território. Já em pleno domínio espanhol, no reinado de Filipe III, o açoriano Pero Coelho de Sousa obteve do governador-geral Diogo Botelho permissão para colonizar o "Siará Grande", onde chegou em 1603, partindo do "Siará-Mirim", no Rio Grande do Norte. À futura colônia chamou Nova Lusitânia e ao arraial projetado, Nova Lisboa. Entrando em lutas com os franceses de Adolphe Membille, que fixados no Maranhão se espalharam rumo ao sul, Pero Coelho de Sousa os deteve às margens do Punaré (Parnaíba), até onde chegara sua expedição. Não conseguindo dominar a terra, Pero Coelho retirou-se em 1607 para a Paraíba.

Outra tentativa de penetração no Ceará foi confiada aos jesuítas Francisco Pinto e Luís Figueira em 1607. Os padres, visando à catequese dos índios, destinavam-se - como Pero Coelho - a Ibiapaba e ao Maranhão, mas lá também não puderam chegar. O padre Francisco Pinto foi morto a tacape pelos índios. O padre Figueira, depois de muitos sofrimentos, conseguiu regressar a Pernambuco, para mais tarde ter sorte ainda mais negra: devoraram-no os bugres depois de um naufrágio na ilha de Marajó. Na sua passagem pelo Ceará os padres conseguiram, porém, catequizar várias aldeias e ganharam a amizade de chefes índios.

Na expedição de Pero Coelho, destacou-se por seu relacionamento amistoso com os gentios um jovem soldado, Martim Soares Moreno. Ele próprio narrou em sua Relação do Siará que se dava tão bem com os índios que por gosto se despia, se pintava de jenipapo, raspava o rosto e fazia uso do arco e da flecha. Soares Moreno voltou ao Ceará, em 1611, em companhia do padre Baltasar João Correia e mais seis soldados. Construíram um pequeno forte na foz do rio Ceará, onde resistiram a várias tentativas de invasões de franceses e holandeses. Os amores de Soares Moreno, o verdadeiro fundador do Ceará, com a índia Iracema serviram de tema para o romance de José de Alencar. Após muitos combates, naufrágios e prisões, Soares Moreno foi à Europa e obteve uma carta régia em 1619 que lhe deu o título de "senhor da capitania do Ceará", onde nessa qualidade aportou em 1621, para se fixar por muitos anos. Somente meio século depois voltou a Portugal, deixando porém consolidada e florescente sua capitania.

Os holandeses de Pernambuco tentaram estender seus domínios ao Ceará. Duas vezes o invadiram, a primeira, desembarcando no Mucuripe em 1637, sem êxito. Retornaram em 1649 e erigiram na embocadura do rio Pajeú (enseada do Mucuripe) uma fortificação a que deram o nome de Schoonenborch. A expedição, saída de Recife em 30 de março, tendo à frente o capitão Matias Beck, chegou ao Mucuripe em 6 de abril. O forte tornar-se-ia centro das atividades militares e dos trabalhos de exploração de minas de prata, na serra de Maranguape.

Em 1654, porém, os holandeses viram-se obrigados a entregá-lo aos portugueses, que o reformaram e dele fizeram quartel e sede do governo da capitania. De reforma em reforma, pois era construído de madeira, o forte resistiu até 1812, quando outro, de alvenaria, o substituiu. O mesmo local da fortificação holandesa serviu de base à fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, em torno da qual se vinha aglutinando um grupo populacional. Dela vem o nome da capital.

Economia do boi e do couro. A irradiação para o interior, todavia, foi mínima. Sem o estímulo da metrópole, o povoamento teria de processar-se aventurosamente. Homens de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Bahia, informados das excelentes pastagens e do bom clima dos sertões do Ceará, começaram a ocupação, expulsando os índios, ou, quando possível, domesticando-os e aproveitando-os no trabalho. À proporção que conquistavam terreno, instalavam currais para recolher os rebanhos que conduziam e, sem demora, oficializavam suas conquistas, com a obtenção de sesmarias.

A interiorização acelerou-se rios acima, de modo que, da última década do século XVII até a terceira do século seguinte, multiplicaram-se os currais, já transformados em fazendas, implantando-se, com isso, uma economia essencialmente pecuarista. Objeto de intensa comercialização, vivo ou abatido para o consumo, o boi era a grande moeda. Valia ainda como animal de tiro e, sobretudo, pelo couro, matéria-prima destinada a inúmeras aplicações, notadamente na confecção de selas e arreios e da roupa-de-couro -- chapéu, gibão, perneiras e sapatos -- com que os vaqueiros se vestiam nas arrancadas mato adentro, em perseguição a reses bravias criadas no mato, denominadas barbatões.

O historiador Capistrano de Abreu definiu esse estilo de vida implantado nos sertões como a "civilização do couro". Mercadoria que se transportava por si e de fácil colocação, as boiadas eram objeto de largo comércio com as praças de Pernambuco, de onde, em troca, vinham tecidos, louças, ferramentas e outras utilidades indispensáveis à vida das fazendas. Mais tarde, a experiência realçaria a vantagem de abater-se o boi em seu lugar de origem, salgar-lhe a carne e transportá-la para os centros de consumo a que se destinava, originando-se, com isso, ativo comércio. Conduzidas as boiadas aos portos de Aracati e Acaraú, ali eram abatidas, com a carne submetida ao processo da salga e da secagem, num arremedo de indústria que enriqueceria as zonas pastoris. O processo utilizado nas charqueadas cearenses, que se tornaram famosas, iria ser depois imitado no Rio Grande do Sul, onde se estabeleceria o aracatiense José Pinto Martins, às margens do arroio Pelotas.

A indústria saladeiril desenvolvera-se de tal forma que, dos portos cearenses de Aracati, Acaraú e Camocim, passou ao de Parnaíba, no Piauí, e aos de Açu e Moçoró, no Rio Grande do Norte. A carne charqueada, de mais fácil transporte e comercialização, reduzia gradativamente a remessa das boiadas para a zona açucareira de Pernambuco, o que motivou ser proibida sua exportação pelos portos norte-rio-grandenses. Como a medida proibitiva não atingisse o Ceará, sua indústria se manteve florescente, pelo menos até a grande seca de fins do século XVIII. Durante três anos não choveu e os rebanhos se aniquilaram.

O fenômeno das longas estiagens tem dado motivo a certos equívocos, levando à suposição de ser a terra árida de escassa produtividade, e a vida do homem nela radicado um constante sacrifício. As estiagens são na verdade crises periódicas, com espaçamento às vezes de trinta anos. Caracteriza-as ora a falta completa de chuvas por um ano, dois ou três (secas totais), ora a má distribuição das quedas pluviais no tempo ou no espaço. Chove bastante, mas de modo irregular, dando margem a que, com a demora, o solo se resseque e as plantações morram. Quando volta a chover, já o prejuízo se concretizou. De outras vezes, chove suficientemente em determinadas áreas e em outras não (secas parciais). Fora disso, em geral o Nordeste é verde e produtivo.

Primeiros governadores. Voltado sobretudo para a pecuária, com uma agricultura apenas de manutenção, sem açúcar, sem ouro, sem nenhuma das riquezas do tempo, o Ceará atravessou obscuramente a fase colonial. Dependendo sucessivamente do Maranhão, do Pará e de Pernambuco, só logrou a autonomia em 1799, quando o rei nomeou o primeiro governador do Ceará, Bernardo Manuel de Vasconcelos. Servia de capital a vila do Aquirás, passando Fortaleza a ser sede do governo depois de 1810. As vilas, porém, iam-se formando junto às grandes fazendas ou nos pontos de repouso das tropas vindas do sul. Um dos mais prósperos núcleos de povoação se constituíra no Cariri, tendo como centro a vila do Crato, fundada por uma missão franciscana. Icó, entreposto comercial, era o elo de ligação entre o Cariri e o litoral. Aracati era porto de mar, por onde se exportavam couros e o charque, o qual, por causa disso, ainda é hoje chamado em todo o Nordeste de "carne do Ceará".

Após a gestão de Bernardo Manuel de Vasconcelos, sucederam-se no Ceará os seguintes governadores, todos também nomeados pelo rei: João Augusto de Oeynhausen, depois marquês de Aracati; Luís Barba Alardo de Meneses, fidalgo da casa real; Manuel Inácio de Sampaio, o futuro primeiro visconde de Lançada; e Francisco Alberto Rubim. O comércio direto com a Europa, e não apenas por intermédio do Recife, intensificou as exportações dos produtos locais. O algodão passou a integrar a riqueza geral. De ótima qualidade, disputavam-no os mercadores europeus, constituindo, ainda hoje, um dos principais produtos de exportação do Ceará, sobretudo para os países da Europa.

Franqueados os portos brasileiros às nações amigas pela carta régia de 1808, reforçaram-se as trocas com o Reino Unido, inaugurado esse comércio pela galera Dois Amigos, logo seguida por outras embarcações, americanas e portuguesas. Nessas iniciativas tiveram destaque o rico negociante luso Antônio José Moreira Gomes e as firmas Barroso Martins e Dourado & Carvalho.

Revoltas nativistas. A inconfidência dera a impressão de se restringir a Minas, mas o fato é que o nativismo medrara pelo Nordeste, adormecendo embora, como em todo o Brasil, durante a presença da família real no Rio de Janeiro. Em 1817, porém, rebentou no Recife um movimento liberal, provocando repressão e mortes. Essa revolta se espalhou pelas províncias vizinhas. Trouxe-a ao Ceará o jovem seminarista José Martiniano de Alencar (pai do romancista), que desfraldou no Crato a bandeira da revolução e obteve apoio dos maiorais da terra, a começar por seu irmão Tristão Gonçalves e sua mãe, Bárbara de Alencar.

Proclamou-se assim no Crato o governo republicano, derrubou-se o pelourinho, hasteou-se o pendão novo. Sucedeu contudo que o capitão-mor José Pereira Filgueiras não deu ao movimento a prometida adesão. Ao contrário, tomou das armas, esmagando a nascente ramificação da república de Pernambuco com apenas oito dias de vida. O governador Sampaio tratou de dar punição exemplar aos que se rebelaram contra a coroa. Mandou trazer algemados e acorrentados, por meio das cem léguas que vão de Fortaleza ao Crato, os presos republicanos, contando-se entre estes dona Bárbara, seus filhos, seu irmão Leonel e o vigário Saldanha. Um longo processo se arrastou contra eles na relação da Bahia, para onde foram mandados, processo que só depois da vitória dos constitucionais em Portugal foi declarado nulo.

Sobrevindo a independência nacional, com a reação da Bahia, Piauí e Maranhão, chefiada esta última por João José da Cunha Fidié, teve o Ceará decisiva participação na campanha contra o comandante português. Um exército improvisado, de mais de seis mil homens, enfrentou o inimigo em Caxias e fê-lo capitular, a 1o de agosto de 1823. A 26 de julho, Thomas John Cochrane retomara São Luís, operação militar facilitada pela ação dos cearenses contra a resistência dos soldados de Fidié.

O movimento de 1817, embora abortado, foi a semente de outro de maior extensão, que também floresceu em Pernambuco: a Confederação do Equador, que eclodiu em julho em Recife e no qual o Ceará esteve diretamente envolvido. Nesse movimento revolucionário, destacou-se Tristão Gonçalves, chefiando a adesão à revolta pernambucana. Morreu lutando em Santa Rosa, no vale do Jaguaribe.

Concorreu sobremodo para o progresso do Ceará a administração do presidente José Martiniano de Alencar, por meio de providências como a abertura de estradas, a construção de açudes, a contratação oficial de técnicos europeus, a criação de um banco de crédito, o saneamento dos sertões, infestados de bandoleiros, e o do meio circulante, com a moeda falsificada impunemente.

A abdicação do imperador Pedro I em 1831 deu motivo a grandes manifestações de júbilo popular. O povo abateu a machado a forca na qual haviam perecido os mártires de 1817 e 1824. Entrou-se na regência, que no Ceará não se fez notada por importantes agitações, como em outras províncias. No poder, iam-se alternando os presidentes, de acordo com os ventos que soprassem da corte. A partir de meados do século, Fortaleza passaria a receber a influência de ingleses e franceses, no comércio e nos hábitos mais refinados, servida com eficiência por linhas internacionais de navegação, como a Booth Line e a Red Cross. Uma série de melhoramentos urbanos datam da mesma época: ruas calçadas e iluminadas a gás, rede ferroviária, telefones, lojas bem montadas e bons educandários. Depois da grave seca que assolou o estado em 1877, iniciou-se a construção do grande açude do Quixadá. Fortaleza era um centro de grande fermentação intelectual, onde vários jornais pregavam as chamadas "idéias novas" e se caracterizavam pelo espírito polêmico.

Abolição antecipada. Dois temas apaixonavam a opinião pública cearense nas três últimas décadas do século XIX: a pregação republicana e sobretudo a abolição da escravatura. A lentidão do movimento que se processava no Parlamento imperial, visando a dar paulatinamente liberdade aos escravos, desesperava os abolicionistas do Ceará. Grupos ativistas começaram a agir, libertando negros em grande escala. Fundaram-se associações libertadoras: uma moderada, o Centro Abolicionista, a outra romanticamente jacobina, a Sociedade Cearense Libertadora. Os sócios desta, na maioria republicanos e maçons, agitaram o ambiente provinciano com uma dramática reunião na "sala do aço", quando o presidente João Cordeiro, à luz das velas, cravou um punhal na mesa forrada de pano negro e exigiu dos presentes, a 30 de janeiro de 1881, o juramento de "matar ou morrer pela Abolição".

Os estatutos da Libertadora pareciam tirados a uma peça do repertório romântico: "Artigo 1º: Um por todos, todos por um. Parágrafo único: A sociedade libertará escravos por todos os meios ao seu alcance". E a sociedade realmente libertava escravos de todas as maneiras. Raptavam-se cativos, escondiam-se negros fugidos, disfarçavam-nos sob roupas de senhores, contrabandeavam-nos para longe, munidos de falsas cartas de alforria.

Para resgatar escravos à venda, os libertadores davam seus relógios e correntões, as damas libertadoras seus brincos e anéis. Os jangadeiros, que faziam o transporte de passageiros e carga para os navios ancorados ao largo, no mar agitado de Fortaleza, aliaram-se à Libertadora, chefiados pelo famoso Francisco José do Nascimento, o "Dragão do Mar". Fechou-se o porto ao tráfico dos escravos que seus senhores, fugindo à ação dos abolicionistas, vendiam para outras províncias.

Nos municípios onde se libertava o derradeiro cativo, celebravam-se festas cívicas de repercussão nacional. Acarape, que foi o primeiro, teve o seu nome mudado para Redenção. Seguiram-se Paracatuba, São Francisco, Baturité, Icó e todos os demais municípios. A 8 de maio de 1883 declarou-se liberta Fortaleza e, enfim, a 25 de março de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea, abolia-se a escravidão em toda a província do Ceará.

República. A última década do séc. XIX caracterizar-se-ia particularmente por intensa agitação, com o advento e a implantação do regime republicano, a que o Ceará aderira no dia imediato ao da proclamação. Deposto o presidente da província, coronel Jerônimo Rodrigues de Morais Jardim, foi aclamado governador provisório o comandante do 11º batalhão de infantaria, em Fortaleza, coronel Luís Antônio Ferraz, não sem os protestos de alguns republicanos mais ardorosos, entre eles Júlio César da Fonseca Filho. Ante a escolha, considerada pouco feliz, de um antigo e leal servidor do império, e mais, ante a circunstância de estar participando do movimento, como porta-bandeira, um estrangeiro tido como homem de aventuras duvidosas, pronunciou-se enfaticamente Júlio César: "De uma república que tem como primeiro governador o Ferraz e por gonfaloneiro o Catalão, eu não posso fazer parte."

Ferraz adoeceu pouco depois, sendo substituído pelo vice-governador João Cordeiro, que transmitiu o cargo, a 22 de janeiro de 1890, ao vice-presidente, major Benjamim Liberato Barroso. A posse do presidente do estado, general José Clarindo de Queirós, nomeado pelo marechal Deodoro da Fonseca, deu-se a 28 de abril. Eleito governador constitucional pelo voto do Congresso cearense, José Clarindo inicia sua gestão em 7 de maio. Sobrevindo, no entanto, o golpe de estado, e com ele não concordando, teve de suportar violento ataque da força federal e dos alunos da escola militar, que bombardearam o palácio, levando-o a renunciar, na manhã de 2 de fevereiro de 1892.

Assume de novo o posto o vice-governador Benjamim Liberato Barroso, que decreta a extinção do congresso e convoca outro para o mês de maio, no qual seriam eleitos o coronel José Freire Bezerril Fontenele, para presidente, e Antônio Pinto Nogueira Acióli, para vice-presidente (período de 1892-1896). Nogueira Acióli, aproveitando-se do enfraquecimento dos velhos partidos da época imperial, eleger-se-ia para o mandato de 1896-1900, e, depois, para os de 1904-1908 e 1908-1912. Deposto por uma insurreição popular (rabelista) irrompida na capital, foi substituído pelo coronel Franco Rabelo. Este, por sua vez, enfrentaria outra insurreição, partida do interior: era o fenômeno do padre Cícero.

Padre Cícero. Desde o último terço do século XIX crescia no Cariri a comunidade de Juazeiro, à sombra do padre Cícero Romão Batista, que encheu o Nordeste com sua presença durante cerca de cinqüenta anos. Seu imenso prestígio popular acabou fazendo com que caísse em suas mãos o poder político de toda a região, chefia que o padre transferia para seu lugar-tenente, singular figura de caudilho e aventureiro, o médico baiano Floro Bartolomeu. Embora jamais saísse do Juazeiro, senão para duas viagens disciplinares a Roma, o padre Cícero elegera-se deputado federal e vice-presidente do estado, ou fazia eleger-se o doutor Floro. O padre dava seu apoio ao partido "marreta" (aciolista) e assim, a insurreição rabelista o visava especialmente.

Levantou-se pois no Cariri, no governo Franco Rabelo, o brado da guerra santa. Do Nordeste inteiro acudiam jagunços (ainda estava viva, na lembrança do sertão, a luta de Canudos), coronéis, chefes políticos com seus cabras armados, cangaceiros, beatos - "romeiros" se chamavam todos, correndo em socorro do "padrinho". A "cidade santa" do Juazeiro era a "Nova Jerusalém" que os "hereges rabelistas" mandavam cercar por tropa da polícia. Mas o fanatismo dos defensores vencia a superioridade da tropa regular e, em combates diários, os legalistas eram rechaçados. Por fim, as hostes de romeiros levaram de roldão qualquer resistência, depondo o coronel Franco Rabelo. O governo da União decretou intervenção federal em 14 de março de 1914. O padre Cícero mandou recolher as "colunas libertadoras" e assim acabou a guerra santa.

Borracha e progresso. No fim do século XIX, o chamado ciclo da borracha importou em inúmeros benefícios para o Ceará, cujas exportações de borracha de maniçoba, juntamente com o largo comércio com a Amazônia, carrearam apreciável riqueza para o estado. O êxodo de cearenses e de outros nordestinos para a Amazônia encerrava certamente o mesmo sentido épico das antigas bandeiras do centro-sul. A vasta e até então inexplorada região do grande rio, sobretudo a acriana, seria desbravada e parcialmente povoada por esses retirantes, que, embora desprotegidos, se entregaram esperançosos à conquista da terra hostil, mas promissora.

No início do século, apesar dos efeitos da seca devastadora de 1900, o Ceará progredia, material e culturalmente. Em 1907 seria fundada sua primeira escola superior, a Faculdade de Direito. Após 1922, restaurada a ordem no país, as atenções da administração nacional, dirigida pelo paraibano Epitácio Pessoa, voltaram-se para a região esquecida do Nordeste. Estradas de rodagem e grandes açudes abriram ao homem do sertão perspectivas de progresso e novos hábitos se estratificaram. As obras contra as secas, com todos os seus erros, prestaram valiosa contribuição. O Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, órgão federal, bem orientado e dispondo de recursos financeiros, empenhou-se em contribuir para o fim do subdesenvolvimento na região nordestina. Essa transformação coincidiu com a presidência de Justiniano de Serpa, entre 1920 e 1924, que, além de outras iniciativas do governo, promoveu a reforma do ensino estadual, confiando sua direção ao professor Lourenço Filho. Falecido no decurso de seu período governamental, Serpa foi substituído pelo vice-presidente, Ildefonso Albano, que deu prosseguimento à obra de seu antecessor, concretizando outros melhoramentos.

Revolução de 1930. Como suas precursoras de 1922 e 1924, a revolução de 1930 não chegou a levar a luta armada ao Ceará, embora um dos capitães da "coluna Prestes", e mais tarde chefe do movimento de 1930, fosse o cearense Juarez Távora. O getulismo, que se assentara no estado por ocasião da vitória da Aliança Liberal, demorou-se no poder até a deposição de Vargas, em 1945. No entanto, as administrações governamentais do Ceará, a partir da revolução de 1930, beneficiariam o estado com obras fundamentais, no que respeita às rodovias, telecomunicações e eletrificação, mediante o aproveitamento da energia do São Francisco. A educação desenvolveu-se com a criação de universidades e de modernas casas de ensino.

Modernização. Durante todo o século, contudo, os cearenses continuaram a buscar melhores condições de vida em outras partes do país. Cearenses formavam a maioria dos envolvidos na revolta que resultou na anexação do Acre, e a maioria dos candangos que construíram Brasília. Com a construção de açudes de grande porte, como o de Orós, na década de 1950, e os incentivos da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), efetivaram-se importantes projetos agrícolas, agroindustriais e sociais. O estado começou a superar a fase em que dependia quase apenas de uma pecuária sem grande peso econômico e de algumas culturas. A criação do Distrito Industrial de Fortaleza, em 1971, deu condições para o estado se tornar o maior parque de confecções do Nordeste, enquanto que na década de 1990 o estado atraía várias indústrias, sobretudo do setor calçadista, e estava em implantação da Companhia Siderúrgica do Ceará.