sexta-feira, 7 de maio de 2010

São Paulo: História

Primeiros tempos. A fundação de São Vicente no litoral paulista iniciou o processo de colonização do Brasil como política sistemática do governo português, motivada pela presença de estrangeiros que ameaçavam a posse da terra. Evidentemente, antes disso já havia ali um núcleo português, que, à semelhança de outros das regiões litorâneas, havia sido constituído por náufragos e datava, provavelmente, do início do século XVI. Foi, no entanto, durante a estada de Martim Afonso de Sousa que se fundou, em 20 de janeiro de 1532, a vila de São Vicente e com ela se instalou o primeiro marco efetivo da colonização brasileira.

O nome se estenderia à capitania doada ao mesmo Martim Afonso. A despeito das inumeráveis dificuldades para transpor a serra do Mar, os campos do planalto logo atraíram os povoadores, o que tornou São Paulo uma exceção no tipo de colonização dos portugueses dos primeiros tempos, que se fixavam sobretudo no litoral. Assim, em 1553, os jesuítas criaram a vila de Santo André. No ano seguinte, os padres da Companhia de Jesus fundaram em Piratininga um colégio para os índios, berço da vila de São Paulo.

A faixa litorânea, estreita pela presença da serra, não apresentava as condições necessárias para o desenvolvimento da grande lavoura. Por sua vez, o planalto deparava com o sério obstáculo do Caminho do Mar, que, ao invés de ligar, isolava a região de Piratininga, negando-lhe o acesso ao oceano e, portanto, a facilidade para o transporte. Em conseqüência, a capitania ficou relegada a um plano econômico inferior, impedida de cultivar com êxito o grande produto agrícola do Brasil colonial, a cana-de-açúcar, e de concorrer com a principal zona açucareira da época, representada por Pernambuco e Bahia.

Estabeleceu-se em Piratininga uma policultura de subsistência, baseada no trabalho forçado do índio. Os inventários dos primeiros paulistas acusavam pequena quantidade de importações e completa ausência de luxo, a pobreza mesmo. O isolamento criou no planalto uma sociedade peculiar. Chegar a São Paulo requeria fibra especial na luta contra as dificuldades do acesso à serra, os ataques dos índios, a fome, as doenças, o que levaria a migração européia a rigoroso processo seletivo. Tais condições de vida determinariam a formação de uma sociedade em moldes mais democráticos que os daquela que se estabelecera mais ao norte da colônia.

Concorreu em boa parte para tanto a proliferação de mamelucos oriundos do inevitável e intenso cruzamento com as índias da terra, pertencentes às tribos tupis que dominavam o litoral brasileiro. Em São Paulo, especialmente, o hibridismo luso-tupi na sua feição étnico-cultural não se atenuaria tão rapidamente como ocorreu em outras regiões em que o fluxo de negros e o contato mais fácil com a metrópole veio diluí-lo. Mais do que em qualquer outro lugar, o português saberia, à sombra de uma excepcional capacidade de adaptação, integrar certos traços culturais dos tupis que lhe permitiriam sobreviver -- e mais, tirar proveito do sertão hostil.

Bandeiras. Dificuldades econômicas, tino sertanista, localização geográfica (São Paulo era um importante centro de circulação fluvial e terrestre), espírito de aventura, seriam poderosos impulsos na arrancada para o sertão. Desde os primeiros tempos da colonização eram constantes as arremetidas, num bandeirismo defensivo que visava a garantir a expansão paulista do século XVII. Este seria o grande século das bandeiras, aquele em que se iniciaria o bandeirismo ofensivo propriamente dito, cujo propósito era em grande parte o lucro imediato proporcionado pela caça ao índio. Da vila de São Paulo partiram as bandeiras de apresamento chefiadas por Antônio Raposo Tavares, Manuel Preto, André Fernandes, entre outros.

As condições peculiares de vida no planalto permitiram que os paulistas, durante os dois primeiros séculos, desfrutassem de considerável autonomia em setores como defesa, relações com os índios, administração eclesiástica, obras públicas e serviços municipais, controle de preços e mercadorias. As câmaras municipais, compostas dos "homens bons" da terra, raramente se continham dentro de suas legítimas atribuições; em São Paulo, especialmente, sua independência quase fez esquecer o governo lusitano.

Do bandeirismo de apresamento passou-se ao bandeirismo minerador, quando a atividade de um Borba Gato, Bartolomeu Bueno da Silva, Pascoal Moreira Cabral e outros foi recompensada com o encontro dos veios auríferos. Dura provação foi o efeito do descobrimento do ouro sobre São Paulo e outras vilas do planalto: todos buscavam o enriquecimento imediato representado pelo metal precioso. Como disse José Joaquim Machado de Oliveira, "não havia paulista que, mais ou menos, deixasse de afagar o pensamento de descobrir minas".

Assim, o povoamento dos sertões brasileiros fez-se com sacrifício dos habitantes de São Paulo e em detrimento da densidade populacional da capitania. Essa ruptura demográfica, aliada a fatores geográficos já mencionados (a serra do Mar), ocasionou uma queda da produtividade agrícola, bem como o declínio de outras atividades, o que acentuou a pobreza do povo no decorrer do século XVIII. A capitania, que então abrangia toda a região das descobertas auríferas, foi transferida para a coroa e ali instalou-se governo próprio em 1709, separado do governo do Rio de Janeiro e com sede na vila de São Paulo, elevada a cidade em 1711.

Capitães-generais. Poder-se-ia supor que era o início de um período de prosperidade. Pouco depois, entretanto, a região das Minas Gerais desmembrou-se da de São Paulo, formando uma capitania independente. Nova separação ocorreu em 1738, quando Santa Catarina e Rio Grande do Sul se desligaram da jurisdição paulista. Por alvará régio de 9 de maio de 1748, desmembraram-se as minas de Goiás e de Cuiabá. A metrópole mandou então reunir São Paulo à capitania do Rio de Janeiro, em 1749, sujeitando-a, com uma administração subalterna e submissa, àquela jurisdição.

Em São Paulo ocorreu o processo, também observado em todo o Brasil a partir do final do século XVII e acentuado no decorrer do século XVIII, de consolidação da autoridade real e, inversamente, de cerceamento das atribuições das câmaras municipais, até então tidas por soberanas. Os novos capitães-generais raramente consultavam os desejos do povo ou da câmara. Alguns chegavam a ser francamente tirânicos em suas medidas administrativas: protestos anônimos nas portas das igrejas e apelos tímidos por intermédio das câmaras eram os recursos de que então se valia o povo paulista.

Essa decadência, que a rigor já trazia em seu bojo os germes de um renascimento, manteve-se até pouco mais de meados do século XVIII, quando, então, o esgotamento das minas forçou o retorno às atividades agrícolas. Estas receberam novo alento quando o governo português restaurou a capitania em 1765, nomeando para governá-la, em 7 de abril de 1766, o fidalgo e militar D. Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o morgado de Mateus, que se manteve no posto até 1775.

Diversos fatores, como a necessidade de estimular a economia, as providências oficiais no sentido de reerguer a lavoura, capitais ganhos nas lavras e já então disponíveis e os estímulos do mercado externo fizeram com que se intensificasse a lavoura de cana-de-açúcar, até então incipiente e voltada para o abastecimento das minas. Aos poucos, cobriram-se de canaviais e engenhos o litoral, as zonas margeadas pelo Tietê e Paraíba do Sul, a região da atual Campinas. O caminho da serra foi pavimentado, as exportações diretas de Santos para a Europa aumentaram e o crescimento da população foi apreciável.

No início do século XIX, a capitania encerrava uma população de 200.000 habitantes e, além de Santos e da capital, 33 vilas, nesse total incluídas oito vilas que pertenciam à comarca de Curitiba e Paranaguá. Essa região apresentava limites ainda imprecisos, que se definiram em 1853, ano em que a chamada Quinta Comarca se emancipou, para constituir a província do Paraná. Dessa forma, ainda que tendo sofrido sucessivas amputações, São Paulo compreendia nessa época cerca de duas vezes o tamanho de seu atual estado.
O fazendeiro paulista. O açúcar passou a ser base econômica da capitania, depois província, no espaço de tempo entre a decadência da mineração e a eclosão do café, mas coexistiu com este durante longo tempo, até aproximadamente 1860. Integrando a região numa economia exportadora que seguiu o trinômio tradicional -- latifúndio, monocultura e escravidão negra -- o açúcar foi o responsável pela transformação do porto de Santos em centro exportador mais considerável.

Com ele, a figura dominadora do bandeirante cedeu lugar à do fazendeiro patriarcal, que, com o correr do tempo e já então cafeicultor, formou na aristocracia rural do império. Por essa época, de maneira geral, já não vivia todo o tempo em suas propriedades: preferia a vida na capital da província.

Os capitais representados pela lavoura canavieira, além de certas condições básicas, como uma rede viária que também se devia ao açúcar em grande parte, foram possivelmente o núcleo econômico-financeiro sobre o qual se assentou a produção cafeeira. Não foi por acaso que o café, de início, ocupou zonas que até então tinham sido redutos canavieiros. A partir de 1840 o produto avultou nos mapas de exportação de São Paulo, para tornar-se, daí para a frente, a principal lavoura da província.

Seu ponto de partida foi o vale do Paraíba, cujas condições naturais eram esplêndidas e facilitaram a sua transformação em grande centro agrícola e populacional. Outra região em breve se destacou: a que tinha Campinas como ponto central. Um fator sobretudo orientou a marcha daí para o norte, até Ribeirão Preto: a ocorrência das terras roxas que se sucedem em manchas próximas umas das outras e que se revelaram insubstituíveis para o plantio do café. O relatório do barão de Cotejipe para o ano de 1887 dava a São Paulo o primeiro lugar na estatística sobre as rendas gerais e provinciais.

A mão-de-obra negra e a imigração italiana. O açúcar, primeiro, depois o café, levaram para São Paulo o negro, a mão-de-obra por excelência no estado durante o século XIX. Introduzido no início da colonização nos engenhos vicentinos, foi inteiramente inexpressivo no decorrer dos séculos seguintes, em virtude da evolução socioeconômica seguida pela capitania. O cultivo da cana em regime de grande lavoura estimulou seu afluxo e a importação intensificou-se com o café, responsável pela invasão de grandes populações de negros na província.

Tal afluxo, contudo, não trouxe apreciáveis modificações à etnia bandeirante. A introdução relativamente recente, em contraste com a do Nordeste, que se processou durante um período de no mínimo 300 anos; uma quantidade numérica não tão apreciável quanto nas zonas cafeicultoras mineira e fluminense; as correntes migratórias européias que, a partir de 1870, alterariam amplamente a feição da população paulista -- todos esses fatores fizeram com que a influência étnica e cultural do negro não fosse ali considerável como em outras regiões.

A campanha que se desenvolveu em favor do fim do tráfico negreiro na primeira metade do século XIX e que levou à Lei Eusébio de Queirós (1850) provocou a busca de soluções para o problema da mão-de-obra. Uma tentativa foi feita na década de 1840 pelo senador Vergueiro, em sua fazenda de Ibicaba, na qual estabeleceu famílias alemãs e suíças, de preferência, em regime de parceria.

A convivência, no entanto, entre colonos e escravos, constrangedora para os primeiros, e a atitude sobranceira e desdenhosa dos fazendeiros para com os trabalhadores livres, decorrente de hábitos desenvolvidos numa sociedade escravagista, entre outras razões, determinaram o fracasso do sistema, que foi abandonado. A partir de 1870, recorreu-se a trabalhadores assalariados, italianos em sua maioria.

Nessa década, entraram no estado 11.730 imigrantes, contra 1.681 na década anterior. No período 1880-1889 registrou-se o ingresso de 184.000 imigrantes. O censo de 1886 acusara uma população livre de 1,1 milhão de habitantes e 107.000 cativos. A modificação da paisagem social também foi sentida no setor material. Contribuiu para isso a rápida expansão da rede ferroviária, ocasionada pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira, que exigia imediato escoamento para o produto. Em 8 de setembro de 1867 inaugurou-se a linha Santos-Jundiaí. Em 1872, a Paulista chegava a Campinas; em 8 de julho de 1877 abria-se ao tráfego o trecho que ligava a capital a Cachoeira, onde terminava o ramal de São Paulo da ferrovia que hoje é a Central do Brasil. Em 1888, a Mojiana já contava 531km de trilhos e a Sorocabana, 222km. No fim do século, o estado de São Paulo dispunha de 2.883 quilômetros de vias férreas.

As facilidades outorgadas pelo transporte ferroviário, que penetrava no interior seguindo os caminhos do café, permitiram fixar residência nas cidades, o que aumentou rapidamente a população dos centros citadinos à custa do meio rural. A modernização se tornou mais sensível: em 1872 inaugurou-se a iluminação a gás e surgiram os bondes puxados a burro.

Política unitária. No século XIX, foi relevante a situação política de São Paulo no cenário nacional, em contraste flagrante com seu pauperismo econômico. Prendia-se essa relevância política ao concurso de um grupo de estadistas ali nascidos e formados, como os Andradas, Feijó, Paula Sousa, Nicolau Vergueiro e Monte Alegre. Esses nomes bastaram para marcar vivamente a presença paulista no primeiro reinado e na regência.

Alguns deles formaram poderosos núcleos de resistência à política recolonizadora das cortes de Lisboa, cuja cegueira acabou por apressar o processo emancipador. Coube ao santista José Bonifácio, em obra de verdadeiro estadista, canalizar os impulsos revolucionários de D. Pedro, então príncipe regente, para definir os rumos da independência, que afinal se oficializou em território paulista.

A província de São Paulo guardou durante todo o primeiro reinado e parte da regência uma fisionomia política apreciavelmente unitária. "Sobreviviam as diferenças pessoais, que pouco perturbavam a coerência do pensamento político". Essa afirmativa de Sérgio Buarque de Holanda é complementada pela observação a respeito do liberalismo dos paulistas natos ou adotivos, fruto de um espírito de independência que impressionaria vivamente John Armitage e que, sem equivalente em todo o Brasil, continuou a ser força ativa na política nacional. Essas características explicam a ação política exponencial de São Paulo nos primeiros tempos do império.

Também em São Paulo se fez ativa a resistência à reação monárquica e conservadora, intensificada a partir de 1837. Tal resistência desaguou na malograda revolução liberal de 1842, dominada por Caxias, e mostrou-se de novo na maneira como a província se organizou para aceitar a república. Nenhuma outra seria tão acessível à propagação do regime, cuja fermentação se evidencia com a convenção republicana de Itu, realizada em 1873.

Mudança de sistema político e abolição da escravidão foram os temas predominantes na década de 1880. A província, que até então se mantivera infensa ao clamor abolicionista, a despeito da incansável atuação de figuras como Luís Gama e Antônio Bento de Sousa Castro, cedeu à pressão da campanha que a avassalou a partir de 1880. Aumentando continuamente, o grupo abolicionista passou a agir de forma ativa. Organizações secretas ou ostensivas, como a dos grupos Caifases, de Antônio Bento, insuflaram os escravos. O movimento abandonou a esfera da legalidade e do direito para tornar-se realmente revolucionário. Isso forçou os fazendeiros paulistas, com exceção dos das zonas mais novas, que previamente utilizavam o imigrante, a curvar-se diante de uma realidade inevitável, que tomaria expressão legal em 13 de maio de 1888.

República. Ao se instalar a república, afirmava-se claramente o predomínio econômico do novo estado. Se o Brasil era o café, o café era São Paulo. Essa realidade repercutiu na esfera nacional, daí a homogeneidade de 1894 a 1902, em três quatriênios consecutivos, com os presidentes Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves.

São Paulo ingressou com dois trunfos na era republicana: a riqueza representada pelo café e o sistema de mão-de-obra livre, que fora introduzido antes da abolição da escravatura e já se adaptara e integrara no modo de produção da agricultura paulista. De outro lado, a autonomia local conferida pelo novo regime federativo, que em face dos amplos direitos conferidos aos estados resultava, na prática, numa verdadeira soberania, veio reforçar política e administrativamente as vantagens conferidas pelos dois fatores acima mencionados.

Assim equipado e representando já uma grande disparidade potencial em relação às outras unidades, São Paulo transformou-se no líder da federação. Para isso concorreu também a visão empresarial de seus homens de negócios, cafeicultores principalmente, que, ainda no império, haviam aprendido a usar com presteza e vigor o poder político em defesa de seus interesses econômicos. Perceberam de imediato a oportunidade da introdução do imigrante estrangeiro e a subsidiaram com recursos da província, uma vez que o governo imperial dispensava maiores atenções ao estabelecimento de núcleos coloniais do que à imigração assalariada. Com a nova situação criada pela instituição do regime republicano, puderam ampliar seus meios de ação. Daí por diante, até a rise de 1929, não perderam de vista a expansão e defesa do produto que sustentava a economia da região.

Apesar das dissensões internas e de várias dissidências, o Partido Republicano Paulista (PRP) conseguiu manter grande coesão em face da União, o que lhe permitia levar avante uma política que satisfazia, em geral, aos interesses dominantes e que, inegavelmente, contribuiu para o prestígio de São Paulo dentro da federação.

Não foram, entretanto, tranqüilos os primeiros momentos republicanos em São Paulo. Eles refletiam as agitações e desacertos que ocorriam no âmbito federal. Como nos demais estados, estabeleceu-se uma junta governativa provisória. Em seguida foi nomeado governador Prudente de Morais, que logo renunciou. O governo do estado passou então para Jorge Tibiriçá, indicado por Deodoro.

Em 1890 inaugurou-se a era das dissensões políticas dentro do PRP, com a oposição exercida pelo Centro Republicano de Santos, que, em manifesto de 24 de agosto de 1890, lançou a candidatura de Américo Brasiliense de Almeida e Melo. Agitou-se a faculdade de direito, enquanto as principais figuras republicanas de São Paulo, como Prudente de Morais, Campos Sales, Bernardino de Campos e Francisco Glicério de Cerqueira Leite, entre outros, inquietaram-se com o autoritarismo do marechal Deodoro. Este destituiu Jorge Tibiriçá e delegou o poder, em 1891, a Américo Brasiliense, que Deodoro considerava o único capaz de organizar São Paulo.

Agravaram-se os descontentamentos. Amargas polêmicas foram travadas entre Campos Sales, pelo Correio Paulistano, e Francisco Rangel Pestana, que usava como porta-voz O Estado de S. Paulo. Nesse ambiente instalou-se, em 8 de junho de 1891, a Assembléia Constituinte e, em julho, Américo Brasiliense, já escolhido presidente do estado, promulgou a primeira constituição paulista.

Os ânimos pareciam serenar, quando o golpe de Deodoro fez renascer a agitação. A capital e o interior viviam apreensivos, sob a ameaça de subversão da ordem pública, que se generalizava pelo país. Para evitar a guerra civil, Deodoro renunciou e assumiu a presidência da república o vice-presidente, Floriano Peixoto, que recebeu então apoio político e financeiro de São Paulo contra as revoltas que se alastravam pela nação. Em troca, São Paulo assumiu a hegemonia da federação, com a eleição de Prudente de Morais, em 1894, que dava início à série de presidentes civis.

Enquanto isso, no estado, Américo Brasiliense passou o governo ao major Sérgio Tertuliano Castelo Branco, que logo o transmitiu a quem de direito: o vice-presidente, José Alves de Cerqueira César. Este, diante do espírito de motim e de reação monárquica que reinava, dissolveu a Assembléia Legislativa, convocou imediatamente outro Congresso e depôs todas as câmaras municipais do estado. Realizaram-se eleições de deputados e senadores para o segundo legislativo estadual, que se instalou em 7 de abril de 1892. Demonstrando sempre decisão e firmeza, Cerqueira César convocou o eleitorado para escolher novo presidente do estado, a qual recaiu sobre Bernardino de Campos, o primeiro governante paulista eleito pelo sufrágio direto.

Consolidação do PRP. Consolidaram-se assim o regime republicano e o poder da velha oligarquia paulista, de raízes agrárias, sustentada economicamente por um produto agrícola de suma importância no mercado internacional -- o café. Estavam envolvidos, portanto, não só os interesses da lavoura cafeeira, mas também os setores mercantis e financeiros que participavam da comercialização e exportação do café. O produto era apenas um dos elementos participantes e integrantes de um vasto e poderoso complexo econômico, o que explica a preponderância que exerceu sobre a política da primeira república.

Mesmo antes da proclamação da república o café era a grande mola propulsora da expansão política: atraía imigrantes estrangeiros e impulsionava o povoamento e a ocupação das terras virgens e de solo fértil. Com o novo regime esse dinamismo intensificou-se. De 1840 a 1889 entraram em São Paulo 205.000 imigrantes. No período de 1895 a 1899, esse número elevou-se para 320.000, o que representa uma média anual de 103.000 imigrantes.

Com a crise do café, a entrada de imigrantes no estado caiu para 180.000, de 1900 a 1904, mas começou a recuperar-se no qüinqüênio 1906-1910, sem atingir, entretanto os níveis da década de 1890. Até 1930 entraram em São Paulo 2,5 milhões de imigrantes (57% do total da imigração estrangeira no Brasil). Do total entrado, 1,38 milhão fixou-se em terra paulista. O maior contingente era representado por italianos, seguidos por espanhóis e portugueses. A influência italiana era tão acentuada, principalmente na capital, que se chegou a pensar, em 1898, na candidatura do diretor do Fanfulla, o jornal editado em língua italiana, para presidente do estado.

Essa disponibilidade de mão-de-obra, aliada aos altos preços do café e à política emissora do governo provisório, conduziu à expansão acelerada das lavouras de café. Rapidamente, o sertão paulista foi desbravado, e suas terras, ocupadas. Seguiram-se, de início, os trilhos das estradas de ferro Mojiana, Paulista e Sorocabana, principalmente as duas primeiras, que atravessavam solos mais apropriados para o café. Em 1922 os trilhos da Sorocabana alcançaram Presidente Epitácio, nas barrancas do rio Paraná, os da Paulista atingiram Marília, em 1928, e a Noroeste chegou, em 1930, à povoação de Bento de Abreu.

A ocupação e povoamento do oeste paulista foi precedida e apoiada por expedições de exploração e reconhecimento dos terrenos, atividades que se realizaram, principalmente, durante a segunda presidência de Jorge Tibiriçá, de 1904 a 1908. Foi também sob sua administração que se efetuou a primeira valorização do café. A administração de Tibiriçá distinguiu-se também pela atenção que dispensou ao desenvolvimento agropecuário e à introdução de novos processos agrícolas. Assim, durante a primeira república, quase todo o território paulista foi sendo explorado, ocupado e incorporado às atividades agropastoris, exceto o extremo-oeste. Este só foi incorporado na década de 1930, graças a outros produtos agrícolas, como o algodão, e não mais pelo impulso cafeeiro, que se deteve com a crise de 1929.

O grande número de plantações de café, na década de 1890, conduziu à superprodução, que, coincidindo com uma crise econômica de âmbito mundial, determinou a queda dos preços do produto. Ocorrendo paralelamente à baixa do câmbio, compensaram-se, de certa maneira, os preços em mil-réis, embora a crise não tenha deixado de frear o ritmo da expansão da lavoura.
Com a política deflacionária de Campos Sales e Joaquim Murtinho e a conseqüente alta do câmbio, as cotações do café caíram drasticamente. Essa situação levou à primeira valorização do café após o convênio entre os estados cafeeiros, firmado em Taubaté em 1906. Encontrara-se a fórmula do êxito, e à primeira valorização seguiram-se outras duas. Em 1924 o estado de São Paulo instituiu a defesa permanente do café: manteve-se assim o sustentáculo primordial da economia da primeira república e a hegemonia paulista.

Mudanças estruturais. A infra-estrutura e o mercado interno criados pelo café, assim como a existência de capitais disponíveis não investidos no setor cafeeiro, foram lentamente modificando a estrutura econômica do estado e, com ela, sua estrutura social. A crise de 1929 acelerou o processo. Foi a indústria a grande responsável por essas transformações, com a intensificação da urbanização e o crescimento dos setores médios da população.

Já na última década do império iniciara-se o desenvolvimento industrial de São Paulo, em decorrência da expansão econômica proporcionada pelo café e com a participação do imigrante, seja como empresário, seja como mão-de-obra e mesmo como técnico. Intensificou-se, com a república, a industrialização. Mas foi a partir de 1915 que ocorreu a grande expansão da produção industrial paulista.

No período de 1915 a 1919, estabeleceram-se quase seis mil empresas no Brasil, a maioria das quais em São Paulo. Eram principalmente indústrias de bens de consumo, em substituição aos artigos cuja importação o conflito mundial dificultava. Tratava-se também de empresas de pequeno porte, embrião, porém, do que seria o maior centro industrial da América Latina.
Essas modificações estruturais não podiam deixar de provocar desajustamentos e inquietações de ordem social, que se transformaram em reivindicações políticas e ofereceram aos antigos dissidentes do PRP bases mais sólidas para se agruparem e se constituírem em partidos. Antes, esses políticos não tinham clientela suficiente para se firmarem, pois toda ela já estava arregimentada pelo situacionismo. As mudanças que ocorriam, embora lentas, quebravam os vínculos da velha oligarquia e permitiam o surgimento de uma oposição mais eficaz e menos efêmera.

Novas dissidências. À primeira dissidência, já mencionada, seguiu-se uma segunda, em 1901, quando foram lançados manifestos reivindicando eleições limpas, sem fraudes, e a revisão das constituições do estado e da república. Outra dissidência verificou-se com a escolha de Altino Arantes para suceder a Rodrigues Alves em seu segundo governo do estado na era republicana, de 1912 a 1916. A quarta dissidência ocorreu em 1924, com a chamada coligação, no final do governo estadual de Washington Luís, por divergências na composição das chapas oficiais para a Câmara e o Senado.

Das dissidências, passou-se à formação de ligas: a Liga Nacionalista, constituída, em 1917, principalmente por estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo e resultante da campanha civilista iniciada por Olavo Bilac, em âmbito nacional; a Liga do Voto Secreto, em 1925, sob a orientação de Monteiro Lobato e Plínio Barreto; e o Partido da Mocidade, em 1925, que exigia a volta ao manifesto republicano de 1870. Nesse meio tempo, a crise política que já se manifestara em 1922, com a revolta do forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, atingiu o auge em São Paulo, com a revolução de 1924, rapidamente debelada pela situação.

Todos esses movimentos da pequena e média burguesia aglutinaram-se ao redor dos elementos dissidentes da oligarquia do PRP para formar, em 1926, o Partido Democrático. Se este se apoiava principalmente nos setores médios urbanos, não se pode dizer que representava a oposição do grupo industrial nascente contra a oligarquia rural. Na década de 1920, foi a indústria, mais do que a lavoura, o grande sustentáculo financeiro do PRP. As soluções preconizadas pela oposição revelaram-se, de modo geral, bastante conservadoras em suas preocupações reformistas e regeneradoras. Pode-se dizer mesmo que mais pretendiam restaurar do que inovar.

Só depois de 1930 começou a surgir certo radicalismo, que, mesmo então, não conseguiu despojar-se de seu idealismo regenerador. Além disso, o quadro da década de 1920 aplica-se apenas à evolução política no contexto criado pela situação que se instalou com a república. À parte, já apareciam organizações e movimentos de esquerda ou de direita (comunismo, socialismo e integralismo), mas que, naquele momento, pouca importância política apresentavam. A candidatura de Júlio Prestes à presidência da república, imposta por Washington Luís, motivou a formação da Aliança Liberal, no processo que levou à revolução de 1930, quando São Paulo perdeu a supremacia na direção dos negócios públicos.

Revolução de 1932. A década de 1930 em São Paulo caracterizou-se, do ponto de vista econômico, pelos esforços de ajustamento às novas condições criadas pela crise mundial de 1929 e pela derrocada do café. Do ponto de vista político, o período foi marcado pela luta em prol da recuperação da hegemonia paulista na federação, atingida pela Aliança Liberal e afinal aniquilada pela revolução de 1930. Esta submeteu o estado à ação dos interventores federais, que, de início, nem paulistas eram.

Surgiram logo as reivindicações a favor de um governo paulista, mas na realidade o que se pretendia era a restauração dos grupos hegemônicos paulistas, cujos interesses, tanto econômicos quanto políticos, estavam sendo prejudicados pela nova situação, embora alguns interventores, como João Alberto Lins de Barros, tenham procurado conciliar a cafeicultura com a nova orientação do governo federal.

Habituadas a conduzir seu próprio destino, as classes dirigentes se insurgiram sob a liderança do Partido Democrático, então presidido pelo professor Francisco Morato, justamente o partido aliado à revolução getulista de 1930. A organização política rompeu, porém, com o governo federal e constituiu, com as classes conservadoras e o velho PRP, a Frente Única paulista. Esta procurou aliança com outros estados, particularmente com a oposição gaúcha, mas afinal os paulistas rebelaram-se, contando apenas com o apoio de Mato Grosso.

Em 9 de julho de 1932, irrompeu a revolução constitucionalista de São Paulo. Governava o estado, como interventor federal, o paulista Pedro de Toledo, logo proclamado governador. Formaram-se batalhões de voluntários, e aderiram ao movimento algumas unidades do Exército, um forte contingente de Mato Grosso e a quase totalidade da força pública estadual. Foram mobilizados inicialmente cinqüenta mil homens, cujo comando coube ao coronel Euclides de Oliveira Figueiredo e depois ao general Bertoldo Klinger, sob a chefia suprema do general Isidoro Dias Lopes.

A indústria participou da revolução com entusiasmo. Sob a direção de Roberto Cochrane Simonsen, todo o parque industrial paulista foi colocado a serviço da rebelião, dedicado à produção bélica. Organizou-se também o abastecimento interno. A luta durou, porém, apenas três meses e terminou com a derrota dos paulistas e a perda de centenas de vidas.

Alguns meses após a capitulação, o governo federal, a fim de pacificar o país, decidiu convocar eleições para a Assembléia Constituinte, respondendo ao objetivo principal dos revolucionários paulistas: a restauração da ordem constitucional. Enquanto isso, São Paulo foi ocupado militarmente de outubro de 1932 a agosto de 1933. Foram exilados o ex-governador Pedro de Toledo, seu secretariado e outros políticos que tomaram parte ativa na revolução.

Por São Paulo unido. Já em 1933 Getúlio Vargas facilitava a reaproximação com o estado, permitindo o retorno dos exilados. A pacificação consolidou-se com a eleição para a Assembléia Nacional Constituinte de uma Chapa Única por São Paulo Unido, composta de elementos do Partido Republicano e do Partido Democrata, e com a escolha de Armando de Sales Oliveira para interventor federal, em agosto de 1933.

Prestigiado pela Chapa Única, Armando de Sales desenvolveu ampla política de cooperação e pacificação. Entre as medidas mais importantes de sua administração, destaca-se a criação da Universidade de São Paulo, em 25 de janeiro de 1934. Reunida a Assembléia Constituinte do estado e votada a nova constituição, Sales elegeu-se, em 9 de julho de 1935, governador do estado, cargo ao qual renunciou em 31 de dezembro de 1936, para se candidatar à presidência da república.

São Paulo projetava-se novamente no cenário nacional. Armando de Sales encontrava-se, entretanto, em plena campanha eleitoral, quando ocorreu o golpe de 1937. O estado retornava ao regime das interventorias federais, agora por longo tempo. Durante a interventoria de Ademar de Barros, de abril de 1938 a junho de 1941, iniciou-se a construção do Hospital das Clínicas e da via Anchieta, ligando a capital a Santos. Na prefeitura da cidade de São Paulo, Francisco Prestes Maia realizou grandes obras de urbanismo. Sob o interventor Fernando Costa, de 1941 a 1945, realizou-se substancial reforma da Secretaria de Agricultura. Paralelamente a esses acontecimentos, ocorriam grandes transformações na estrutura socioeconômica do estado, as quais iriam refletir-se na composição dos partidos políticos que se formaram com a restauração da ordem constitucional, após o fim da ditadura em 1945.

A crise do café, em 1929, acarretou o colapso econômico do estado, cuja economia era basicamente de exportação e se achava esteada quase apenas nesse produto. Amplos meios de produção, antes empregados no café, tornaram-se inativos, e a crise se propagou para outros setores, indiretamente propulsionados pelo produto básico. Como conseqüência, o desemprego e o desalento alastraram-se pelos campos e cidades. Foi necessário transferir rapidamente capital e trabalho de uma área produtiva para outras que pudessem substituir parcial ou totalmente a atividade afetada pelo mercado internacional. São Paulo soube demonstrar grande capacidade e flexibilidade nessa transferência dos fatores da produção, recuperando, sem muito tardar, seu dinamismo econômico.

Graças às circunstâncias históricas e à visão empresarial de seus homens, o estado estava equipado para tal tarefa. O café favorecera a criação de uma infra-estrutura que poderia ser utilizada por outros produtos, bem como desenvolvera mercado interno capaz de absorver uma produção industrial. A indústria paulista, entretanto, que já demonstrara sinais de debilidade na década de 1920, fora grandemente afetada pela crise do café, uma vez que este era a mola propulsora do consumo interno.

Diversificação da agricultura. Numa economia como a brasileira, em geral, e na de São Paulo, em particular, cujo agente dinamizador era o comércio exterior, só produtos de exportação poderiam revitalizar a vida econômica abatida pelo aviltamento dos preços do café. Este produto logo encontrou um substituto, pelo menos temporariamente: o algodão. A substituição só foi possível, no entanto, graças a uma lenta preparação que se realizou durante a República Velha e, mais especialmente, na década de 1920.
A administração paulista sempre se preocupara com o setor agrícola, fazendo grandes dispêndios com a introdução de imigrantes e oferecendo assistência técnica aos agricultores, por meio de serviços de fomento da produção e dos institutos científicos, como o Agronômico de Campinas. Durante muitas décadas, porém, as atenções dirigiram-se principalmente para o café. A partir da década de 1920, com as transformações que se vinham operando no estado, voltaram-se para outros produtos.

Sob a ação sistemática da assistência técnica, animou-se a agricultura, desenvolvendo-se a produção de outros gêneros, entre os quais arroz, milho, batata, feijão e frutas. Estes, entretanto, pouco pesavam na exportação brasileira. Foi reservado ao algodão o papel de recuperar a produção agrícola paulista e de ocupar lugar importante em seu mercado exportador.

Foi principalmente a partir de 1923, com a organização de um serviço especial do algodão, no Instituto Agronômico de Campinas, que se intensificaram as pesquisas e experiências para a obtenção de variedades selecionadas, mas produtivas, que oferecessem melhores fibras. Já em 1930, pela melhora de qualidade, o algodão paulista obtinha cotações mais altas na bolsa de mercadorias de São Paulo. Sua safra, contudo, era insignificante. Com a crise e a transferência de fatores de produção para outros setores, a produção do algodão em pluma elevou-se de 4.000 toneladas, em 1930, para 100.000, em 1934, continuando a crescer para atingir o auge em 1944, com 460.000 toneladas.

Ao contribuir para a revitalização da economia paulista, o algodão impulsionou novamente a expansão do povoamento, que alcançou o extremo-oeste, onde ocupou as regiões ainda virgens do solo paulista. Teve, além disso, papel significativo na transformação dos hábitos rotineiros de numerosos lavradores, por meio de campos de cooperação.

Essa expansão contava ainda com contingentes de imigrantes estrangeiros, agora constituídos principalmente por japoneses, que de 1930 a 1939 superaram a entrada de imigrantes de outras nacionalidades. Além do mais, a contribuição nipônica teve e continua a ter importância capital na transformação agrícola de São Paulo, tanto no trato de lavouras e preparo do solo, como na experimentação e introdução de novos produtos. Os japoneses dedicaram-se principalmente ao cultivo e à comercialização de gêneros alimentícios perecíveis. Tornaram-se, assim, elemento fundamental para o abastecimento dos centros urbanos, que, com a crescente industrialização, se expandiram desmesuradamente. Na década de 1920, começou também a avolumar-se a corrente migratória de brasileiros de outros estados, que, após a década de 1930, ultrapassou a estrangeira.

Assim, o crescimento populacional do estado, durante o século XX, deveu-se principalmente à imigração, tanto estrangeira como nacional. Apesar do desenvolvimento da produção de outros gêneros agrícolas e do grande papel que o algodão desempenhou na recuperação econômica do estado, persistiu a importância do café, em conseqüência do apoio que encontrou na política nacional, embora a área cultivada que se dedicou à cafeicultura diminuísse e crescesse a destinada a outras lavouras. A crise de 1929 acabou por exercer efeitos benéficos sobre a agricultura paulista, quebrando a estrutura monocultora da lavoura cafeeira. A grande fazenda ainda existe, mas multiplicaram-se as pequenas propriedades.

Em 1950 os estabelecimentos de menos de vinte hectares eram 30% do total e, em 1960, saltaram para 46%. Nessa época o índice das grandes propriedades era de 28%. Além dessas mudanças estruturais, modificaram-se também as técnicas agrícolas, que se aperfeiçoaram, aumentando a produtividade por área cultivada. Após 1930, São Paulo passou da agricultura extensiva e predatória para a lavoura intensiva e mais racionalmente conduzida, embora as melhorias não se tenham efetuado de modo generalizado em toda a extensão do território paulista.

Crescimento industrial. A grande transformação de São Paulo, no entanto, foi a de se fazer um estado predominantemente industrial. Se em 1928-1932 o valor da produção agrícola representava 59% do total e a industrial 41%, em 1935 o quadro se inverteu. Com o decorrer dos anos, a diferença ampliou-se. Em 1950, já se constatava oitenta por cento para a produção industrial e vinte por cento para a agrícola.

A indústria tornou-se a grande propulsora da economia paulista. Sendo fundamentalmente de transformação, pois a extração mineral sempre apresentou participação insignificante, a indústria passou, entretanto, por profundas alterações, particularmente após a segunda guerra mundial. Dedicando-se, de início, à fabricação de bens de consumo não-duráveis ou semiduráveis, a atividade industrial foi-se transformando numa economia mista, de bens de produção, além dos de consumo.

Houve também outra diversificação, com a queda relativa dos setores tradicionais, como o têxtil e o alimentício, e a ascensão daqueles de maior significado para o desenvolvimento econômico, como a metalurgia, a indústria química etc. O maior incremento verificou-se no setor de transportes, que inclui a indústria automobilística, responsável pelo crescimento espantoso do setor, da ordem de 3.711% de 1950 a 1960 -- uma média anual de 371%. A indústria paulista concentrou-se na região do município de São Paulo e seus arredores, onde constituiu a Grande São Paulo, abrangendo os municípios do chamado ABCD. A área encontra-se praticamente saturada, evidenciando-se a necessidade de uma melhor distribuição pelo interior do estado.

Sistema multipartidário. A restauração da ordem legal, em 1945, encontrou o estado de São Paulo já substancialmente transformado tanto econômica quanto socialmente. Os vários partidos políticos que se organizaram disputaram, portanto, uma clientela bem variada e diversa daquela da República Velha. Elementos tradicionais persistiam obviamente ao lado dos novos, o que contribuiu para tornar ainda mais complexas e difusas as relações políticas. Dessas características e do sistema multipartidário que se implantou decorreram, em grande parte, as coligações e compromissos que se estabeleceram entre os partidos, mesmo entre os de posição ideológica antagônica. Embora mais complexo, o jogo partidário conservou, até certo ponto, as relações de dependência e paternalismo que caracterizaram a República Velha.

Como partidos de alcance nacional, organizaram-se em São Paulo duas entidades que, embora nacionalmente estruturadas, tinham sua força principal dentro do próprio estado e desempenharam papel fundamental no período que se estendeu até 1964. Eram eles o Partido Social Progressista (PSP), criado e dominado pelo chefe populista Ademar de Barros, e o Partido Trabalhista Nacional (PTN), fundado por Hugo Borghi, egresso do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Ao apoio fiel dessa organização partidária, então sob o comando de Emílio Carlos Kirilos, Jânio Quadros deveu, em grande parte, sua surpreendente carreira política.

Pondo em jogo, habilmente, o pluralismo partidário, o personalismo partidário caracterizou, pois, a política paulista no período posterior a 1945. Apesar de concentrar a maior massa operária sindicalizada do Brasil, o PTB exerceu em São Paulo influência pouco significativa. O Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao contrário, embora com existência legal de curta duração, exerceu papel decisivo em determinado momento. Foi com o seu apoio que Ademar de Barros se elegeu primeiro governador de São Paulo, após o Estado Novo.

Crescimento econômico. A região paulista cumpriu nessa época um importante papel de liderança na transformação da economia brasileira, que teve a indústria como motor. No início da década de 1950, embora quase a metade do valor produzido no estado fosse representada por bens de consumo não-duráveis, já se notava uma tendência à diversificação, para atender à infra-estrutura das indústrias implantadas. A participação do capital estrangeiro e a ação do governo -- que arcou com altos custos e incentivou com subsídios a iniciativa privada -- foram decisivas para a implantação da indústria pesada no país, concentrada na região metropolitana de São Paulo.

Essa concentração das atividades econômicas condicionou o crescimento do estado, impulsionando uma notável imigração. Datam dessa época a construção das vias Anchieta e Anhangüera, durante o governo de Ademar de Barros (1947-1951), e a implantação das usinas elétricas, para atenuar a crise de energia que ameaçava o desenvolvimento industrial do estado. A obra do governador Lucas Nogueira Garcez (1951-1955) no campo da energia elétrica coroou-se, no segundo governo de Ademar de Barros (1963-1966), com a criação da Celusa, mais tarde Companhia Energética do Estado de São Paulo(cesp), responsável pela realização do grandioso projeto de Urubupungá, no rio Paraná.

Governo Jânio Quadros. A década de 1950 foi marcada no plano político pela ascensão de Jânio Quadros, que chegou ao governo do estado ao vencer uma disputadíssima eleição em 1954. Sustentado pelo ptn, sob a liderança de Emílio Carlos, e pelo Partido Socialista Brasileiro, Jânio venceu três fortes candidatos: Prestes Maia, apoiado por Garcez e por uma coligação de partidos; Ademar de Barros, com o psp, na época o partido mais bem montado e organizado de todo o estado; e Vladimir de Toledo Piza, que explorava o impacto emocional do suicídio de Getúlio Vargas.

Os primeiros anos do governo de Jânio (1955-1959) foram dedicados ao saneamento das finanças públicas, a cargo de seu secretário de Fazenda, Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto. Outras de suas preocupações foram o abastecimento de água e o tratamento dos esgotos. Construindo a estação de tratamento de Vila Leopoldina, beneficiou setenta por cento dos esgotos de São Paulo. Para suas despesas, a administração recorreu aos depósitos populares da Caixa Econômica do estado, cujos recursos, em 1957, representavam mais de dez por cento do meio circulante brasileiro.

Apesar dos esforços de Jânio e de seu sucessor, Carvalho Pinto, que executou um Plano de Ação abrangendo todos os níveis da administração, as obras públicas não acompanharam o explosivo crescimento da economia de São Paulo. A concentração da indústria trouxe graves inconvenientes, como problemas ambientais e queda da qualidade de vida, além de ter gerado distorções, já que nem todas as áreas se beneficiaram da pujança econômica do estado.

Período contemporâneo. O movimento militar de 1964 teve profundos reflexos na vida política de São Paulo. O governador Ademar de Barros, eleito em 1963 e identificado com o movimento, não tardou a entrar em conflito com o novo poder central, tendo seus direitos políticos suspensos e seu mandato cassado. O ademarismo, que durante anos impôs um estilo político a São Paulo, se esfacelou junto com outras correntes tradicionais, em favor de líderes mais afinados com o regime, como Roberto Costa de Abreu Sodré, Laudo Natel e Paulo Egídio Martins, que se sucederam no governo do estado.

Com o fim do "milagre econômico", iniciou-se na década de 1970 um amplo processo de descentralização das atividades econômicas em São Paulo. Diminuiu o número de estabelecimentos industriais na metrópole, enquanto o interior do estado passou a abrigar fábricas de grande e médio portes. Duas grandes refinarias de petróleo foram instaladas pela Petrobrás, em Paulínia e São José dos Campos, e consolidou-se o principal pólo petroquímico do país, em Cubatão, pela presença da Petrobrás e a expansão da Cosipa no setor siderúrgico. Ribeirão Preto e Campinas, importantes produtores de açúcar, também se beneficiaram com a instituição do Proálcool, que forçou a instalação da indústria de bens de capital na região. Para complementar a mudança, as relações capitalistas se difundiram no setor agrário, unificando os mercados de trabalho urbano e rural.

Esse processo de dispersão se consolidou na década seguinte, marcada por um novo surto nacional do movimento trabalhista, sobretudo na região do abcd, onde se destacou na liderança Luís Inácio Lula da Silva, líder do Partido dos Trabalhadores (pt). No controvertido governo de Paulo Salim Maluf (1979-1982), foram reprimidas com rigor inúmeras greves, enquanto seu sucessor, André Franco Montoro (1983-1986), já eleito pelo voto direto, conviveu com saques e quebra-quebras. A partir do fim da década de 1980, o estado de São Paulo viveu um período de crise, agravado por novos conflitos na área social, como motins de presos e invasões de terras no campo. Os governos de Orestes Quércia (1987-1991) e de seu sucessor, o ex-secretário de Segurança Pública Luís Antônio Fleury Filho (1991-1995), foram muito questionados e marcados por escândalos financeiros.

Além de lidarem com uma dívida crescente do estado, os governadores paulistas precisaram enfrentar a forte concorrência de outros estados, que passaram a oferecer vantagens fiscais para atrair empresas estrangeiras. No fim da década, já no governo de Mário Covas (1995-1998), do Partido da Social Democracia Brasileira (psdb), foi renegociada a dívida de São Paulo com o governo federal e assinado um acordo para resolver a crise no Banespa, banco oficial do estado, que estava sob intervenção desde 1994. O desemprego crescente, sobretudo no setor industrial, continuou a ser um dos problemas mais preocupantes do estado, atingindo em 1997 16,5% na região metropolitana. Com o desemprego formal, cresceu a participação da economia informal, incluindo camelôs, trabalhadores sem carteira assinada e autônomos.