sábado, 8 de maio de 2010

Paraná: História

Até meados do século XVII, o litoral sul da capitania de São Vicente, hoje pertencente ao estado do Paraná, foi esporadicamente visitado por europeus que buscavam madeiras de lei. No período de domínio espanhol, foi estimulado o contato dos vicentinos com a área do rio da Prata e tornou-se mais freqüente o percurso da costa meridional, cuja exploração intermitente também seria motivada pela procura de índios e de riquezas minerais. Do litoral os paulistas adentraram-se para oeste, em busca de indígenas, ao mesmo tempo que, a leste, onde hoje estão Paranaguá e Curitiba, dedicaram-se à mineração.

As lendas sobre a existência de grandes jazidas de ouro e prata atraíram à região de Paranaguá numerosos aventureiros. O próprio Salvador Correia de Sá, que em 1613 assumira a superintendência das minas do sul do Brasil, ali esteve durante três meses, enquanto trabalhava com cinco especialistas que fizera vir de Portugal. Não encontrou, porém, nem uma onça de ouro. Sob o governo do marquês de Barbacena, foi para lá enviado o espanhol Rodrigo Castel Blanco, grande conhecedor das jazidas do Peru, que em 1680 escreveu ao rei de Portugal para também desiludi-lo de vez sobre a lenda das minas de prata.

No fim do século XVII, abandonados os sonhos de grandes riquezas minerais, prosseguiu a cata do ouro de aluvião, dito "de lavagem", mediante a qual os escassos habitantes do lugar procuravam recursos para a aquisição de produtos de fora. Os índios que escapavam ao extermínio eram postos na lavoura. Os escravos africanos começaram a ser utilizados no século XVIII e já em 1798 o censo revelava que seu número, em termos relativos, superava o dos índios.

A vila de Paranaguá, criada por uma carta régia de 1648, formou com o seu sertão -- os chamados campos de Curitiba, a quase mil metros de altitude -- uma só comunidade. Prevaleceu em Paranaguá o cultivo das terras e, nos campos, a criação de gado. Pouco a pouco, Curitiba, elevada a vila em 1693, transformou-se no principal núcleo da comunidade paranaense, e para isso foi fator decisivo a grande estrada do gado que se estabeleceu entre o Rio Grande do Sul e Sorocaba.

Ciclo das tropas. A descoberta das minas de ouro de Minas Gerais teve como uma de suas conseqüências a grande demanda de gado eqüino e vacum. Recorreu-se então aos muares xucros da região missioneira do sul, tocados pela estrada Viamão-Sorocaba, aberta em 1731. Segundo Brasil Pinheiro Machado, a construção dessa estrada foi "acontecimento relevante na história paranaense. Desligou Curitiba do ciclo litorâneo, distanciando-a socialmente de Paranaguá e incorporando-a ao sistema histórico das guerras de fronteira, dando-lhe oportunidade de uma marcha para o sul, para o norte e para oeste, de maneira que Curitiba passa a significar o caráter de toda a região que será a futura província".

Inaugurava-se assim o ciclo das tropas na história paranaense, que se estendeu até a década de 1870, quando começou a era do transporte ferroviário. Numerosos habitantes dedicaram-se ao rendoso negócio de comprar muares no sul, inverná-los em seus campos e revendê-los nas feiras de Sorocaba. Foi essencialmente com a disseminação das fazendas de criação e invernagem que se fez a ocupação do território. Com base na propriedade das pastagens e no trabalho de escravos negros e índios, estabelecem-se as famílias que detêm o poder regional.

Expansão da atividade pastoril. Em princípio do século XIX, com o recrudescimento da guerra no sul, tornou-se necessária, como parte da estratégia portuguesa, a ocupação das terras que pelo Tratado de Madri pertenciam a Portugal, mas permaneciam abandonadas desde a destruição das missões jesuíticas pelos bandeirantes.

Com o tríplice objetivo de ocupar o território, subjugar os índios e abrir caminho para as missões, em junho de 1810 uma operação militar atingiu os campos de Guarapuava, que logo a seguir foram doados em sesmarias. Os índios capturados foram distribuídos "pelos mais abonados moradores" e três décadas depois a região estava ocupada. Tratava-se então de conquistar aos indígenas os campos de Palmas, o que foi feito em 1839 por duas sociedades particulares, rivais, que recorreram à arbitragem para evitar choque armado entre seus componentes. Completou-se assim em meados do século XIX, e graças à atividade pastoril, a ocupação dos campos do interior.

Província do Paraná. Por alvará de 19 de fevereiro de 1811, foi criada a comarca de Paranaguá e Curitiba, pertencente à capitania de São Paulo. A 6 de julho do mesmo ano a câmara municipal de Paranaguá dirigiu-se ao príncipe regente para pedir a emancipação da comarca e a criação de nova capitania. Dez anos depois, o movimento, liderado por Floriano Bento Viana, formulou abertamente sua reivindicação separatista, mas ainda sem obter êxito.

Apesar da atividade política expressa em sucessivas diligências e petições que tinham em vista a emancipação político-administrativa, e mesmo após a independência, continuaram os então chamados "paranaguaras" submetidos aos comandantes da tropa local, uma vez que o governo provincial estava longe e desinteressado daquelas terras. A importância política e estratégica da região avultava com os anos e evidenciava-se com acontecimentos que repercutiram no plano nacional, como as revoluções farroupilha, de 1835 a 1845, e liberal, em 1842.

Paralelamente, a economia paranaense, a par do comércio de gado, ganhava incremento com a exportação da erva-mate nativa para os mercados do Prata e do Chile. Eram feitas promessas de emancipação, enquanto prosseguiam as representações e a luta no Parlamento. Finalmente, a 28 de agosto de 1853 foi aprovado o projeto de criação da província do Paraná, que teria como capital provisória (que depois seria confirmada) a cidade de Curitiba.

A 19 de dezembro do mesmo ano chegou à capital Zacarias de Góis e Vasconcelos, primeiro presidente da província, que desde logo se empenhou em tomar medidas destinadas a impulsionar a economia local e conseguir recursos para as ações administrativas que se faziam necessárias. Procurou encaminhar para outras atividades, mormente de lavoura, parte da mão-de-obra e dos capitais que se empregavam no preparo e comércio da erva-mate. O mais lucrativo negócio da província continuava a ser, no entanto, a invernada e a venda de muares para São Paulo. Essa atividade chegou ao ponto mais alto na década de 1860 e só entrou em declínio no final do século.

Durante o período provincial, o governo do Paraná não alcançou a necessária continuidade administrativa, já que a presidência da província, de livre escolha do poder central, teve nada menos de 55 ocupantes em 36 anos. Os liberais paranaenses organizaram-se sob a liderança de Jesuíno Marcondes e seu cunhado Manuel Alves de Araújo, pertencentes à família dos barões de Tibagi e Campos Gerais, na época a mais poderosa oligarquia na região. Os conservadores eram chefiados por Manuel Antônio Guimarães e Manuel Francisco Correia Júnior, de famílias que controlavam o comércio do litoral.

Crise na sociedade pastoril. A decadência do comércio de muares acarretou crise em toda a sociedade pastoril do Paraná. O grande patrimônio indiviso da família patriarcal, que abrangia vários núcleos familiares, já não podia prover a subsistência de todos. Filhos de fazendeiros emigraram para as cidades, para São Paulo e para o Rio Grande do Sul. Desde o início do século XIX o Paraná vinha recebendo imigrantes, dentro da política de preenchimento dos vazios demográficos. Eram açorianos, alemães, suíços e franceses, mas em pequeno número e sem condições de prosperidade.

Em meados daquele século, embora contasse com uma população de cerca de sessenta mil habitantes, o Paraná continuava, do ponto de vista humano, um deserto irregularmente interrompido por 19 pequenos oásis situados a distâncias imensas uns dos outros, distâncias literalmente intransponíveis, pois, além dos "caminhos históricos", que dentro em pouco se saberia não serem os "caminhos econômicos", nada havia que se pudesse chamar de rede de comunicações.

Esses 19 oásis eram representados pelas duas cidades (Curitiba e Paranaguá); pelas sete vilas (Guaratuba, Antonina, Morretes, São José dos Pinhais, Lapa, Castro e Guarapuava); pelas seis freguesias (Campo Largo, Palmeira, Ponta Grossa, Jaguariaíva, Tibagi e Rio Negro) e pelas quatro capelas curadas (Guaraqueçaba, Iguaçu, Votuverava e Palmas).

Curitiba tinha, na época, seis mil habitantes, e Paranaguá, 6.500. A população das vilas, freguesias e capelas oscilava, em geral, entre mil e cinco mil habitantes, de forma que a densidade efetiva, nos centros urbanos incipientes, era bem maior do que a média estatística (0,3 pessoa por quilômetro quadrado) faria supor. Em compensação, na maior parte do território o vazio era absoluto. Eram os campos gerais, a floresta, e a serra do Mar.

Colonização. Na segunda metade do século XIX estimulou-se um tipo de colonização orientada para a criação de uma agricultura que suprisse as necessidades de abastecimento. Providências conjuntas dos governos imperial e provincial permitiram o estabelecimento de núcleos coloniais nas proximidades dos centros urbanos, sobretudo no planalto de Curitiba, constituídos de poloneses, alemães, italianos e, em grupos menores, suíços, franceses e ingleses. Esses contingentes de imigrantes imprimiram à fisionomia étnica do Paraná uma notável variedade.

O número de escravos diminuiu muito, a partir da metade do século, sobretudo em virtude de venda ou arrendamento para outras províncias. Um relatório do presidente do Paraná, em 1867, assinalou que o imposto arrecadado sobre escravos que seguiam para São Paulo "era quase igual ao imposto sobre animais".

A vinda de colonos atendia assim ao problema, agravado pela evasão da mão-de-obra escrava, da escassez e carestia dos produtos agrícolas. Nas últimas décadas do século XIX, a construção de estradas de ferro e linhas telegráficas empregou colonos trazidos por sociedades de imigração. Nesse período e no início do século XX, estabeleceram-se no Paraná mais de quarenta núcleos coloniais.

República. Desde o manifesto de 1870 ocorreram no Paraná manifestações esporádicas, e sem organicidade, de simpatia pela república. Mesmo depois da fundação dos jornais Livre Paraná, em Paranaguá, e A República, em Curitiba, e da criação de clubes republicanos nas duas cidades, o movimento não chegou a se aprofundar. Alguns paranaenses se destacaram na campanha republicana, mas fora da província. Na Assembléia Provincial, contavam os republicanos com um só deputado, Vicente Machado da Silva Lima, eleito pelo Partido Liberal, e que foi figura de projeção nos primeiros anos do novo regime.

O estado sofreu as conseqüências das várias crises políticas que marcaram os primeiros tempos da república e somente em abril de 1892 viu promulgada sua constituição estadual, que vigorou até a vitória do movimento revolucionário de 1930. Durante a revolução federalista, o Paraná foi palco de renhidos combates, já que em seu território se deu o encontro de tropas federalistas e legalistas. Abandonado o estado pelos federalistas, fez-se o acerto de contas. Os "picapaus" assumiram então o poder e desencadearam a repressão contra os "maragatos". Apesar de eventuais conciliações, tal divisão durou até 1930.

A província do Paraná deveria ter os mesmos limites da antiga comarca, em conseqüência do que se prolongou até a segunda década do século XX uma complicada questão de fronteiras com Santa Catarina, surgida desde a descoberta e ocupação dos campos de Palmas. Com base na carta régia de 1749, Santa Catarina considerava seu o "sertão" que correspondia à costa, enquanto o Paraná se apoiava no princípio do uti possidetis. Com a república, ambos os estados exerceriam sua competência de distribuir terras num mesmo território.

Por três vezes Santa Catarina obteve ganho de causa no Supremo Tribunal Federal, mas o Paraná embargou as decisões. Nessa área é que se iria travar a campanha do Contestado. Finalmente, em 1916, por decisão arbitral do presidente da república, fez-se a partilha da região em litígio, com o que ficou encerrada a questão.

Questões agrárias. Em 1920 o Paraná ocupava o 13º lugar em população no Brasil, com cerca de 700.000 habitantes; em 1960, o estado havia passado para o quinto lugar, com mais de 4,2 milhões de habitantes. Esse aumento não se deveu apenas ao crescimento natural, mas a intensas correntes migratórias internas, pelas quais se deslocaram habitantes de outros estados para áreas até então incultas do Paraná.

Desde o final do século XIX, lavradores paulistas e mineiros iniciaram a formação de fazendas de café no norte do estado, rico em terras roxas. A esse tipo de ocupação veio juntar-se a colonização dirigida, tanto oficial como particular. Acorreram também novas levas de colonos, notadamente japoneses e, com a experiência de empreendimentos semelhantes na Austrália e na África, em 1924 Lord Lovat visitou o Paraná e três anos depois obteve do governo uma concessão de 500.000 alqueires de terra no norte do estado. Fundou então a Paraná Plantation Ltd. que, ao lado da Companhia de Terras do Norte do Paraná e da Companhia Ferroviária do Norte do Paraná, executou o plano de colonização dessa zona. O eixo da operação foi Londrina, que a partir daí cresceu em ritmo vertiginoso.

Na região dos rios Iguaçu e Paraná, as matas eram há muito exploradas por empresas que comercializavam madeira e mate. Desde a década de 1920 ocorria ali a ocupação espontânea por colonos gaúchos e catarinenses, em geral descendentes de alemães e italianos. Após a revolução de 1930, anuladas numerosas concessões de terras, passou-se, por iniciativa do governo estadual e de particulares, à ocupação organizada, dirigida para a agricultura variada e a criação de animais de pequeno porte.

Revolução de 1930 e intervenção. Deflagrada a revolução em outubro de 1930, já no dia 5 do mesmo mês seus partidários, com apoio de forças militares, apossaram-se do governo estadual paranaense, instalaram um governo provisório e substituíram as autoridades no interior. As finanças públicas estavam em completo desequilíbrio e a economia em crise. Havia ainda a grave questão das terras devolutas do estado. O general Mário Tourinho, primeiro interventor, foi substituído no governo por Manuel Ribas. Este, eleito em 1935, foi confirmado como interventor pelo Estado Novo, em 1937, e permaneceu no cargo até 1945.

Na década de 1960, todas as terras do Paraná já estavam ocupadas, mas, em seu processo de ocupação, a par do colono que comprava um ou mais lotes, surgiu também a figura do "posseiro", que tendia a se instalar no terreno que julgava do estado ou sem dono. Passou a ocorrer também a venda múltipla, a compra do "não dono" e a "grilagem" em grande escala. Assim, a época foi também de conflitos e lutas agrárias, que se prolongaram por toda a segunda metade do século XX, sem qualquer solução duradoura no meio dos avanços da economia e da sociedade.

História recente. À medida que o governo estadual procurava tornar o Paraná o celeiro agrícola do país e um produtor de madeira capaz de levar a efeito amplos reflorestamentos, os conflitos fundiários não só continuaram como cresceram em intensidade. Centenas de milhares de pequenos proprietários rurais e trabalhadores sem terra encenaram um êxodo rural que provocou um esvaziamento demográfico em mais de cinqüenta municípios.

Mais tarde, porém, a soja aumentou sensivelmente o espaço que ocupava. Em 1980, a colheita de soja atingia o recorde de 2.500kg por hectare, maior do que a marca americana até então alcançada, enquanto a de trigo colocava o Paraná no primeiro lugar nacional, com 57% da produção de todo o país. Também a indústria dava saltos expressivos, como a instalação, em 1976, de uma fábrica de ônibus e caminhões em Curitiba e o início do funcionamento, em 1977, da refinaria Presidente Getúlio Vargas. Realizaram-se ainda nessa época os primeiros grandes melhoramentos que fizeram da capital paranaense um modelo de novas soluções urbanísticas: inaugurou-se a primeira parte das ciclovias da cidade e surgiu o sistema de ônibus expressos.

Aumentaram, no entanto, as disputas de terra, até mesmo em reservas indígenas, assim como denúncias de graves perturbações ambientais causadas pelo crescente número de barragens para construção de usinas hidrelétricas -- nos rios Iguaçu, Paranapanema, Capivari e Paraná. Em 1982, o desaparecimento do salto de Sete Quedas, imposto pela necessidade de formar o imenso reservatório da represa de Itaipu, provocou intenso movimento de protesto.

Nos últimos anos do século xx, o estado do Paraná exibia um bom quadro social e econômico, com estabilização populacional e modernização agrícola e industrial, com destaque para a instalação de montadoras de veículos automotores no estado, ao mesmo tempo em que a economia paranaense procurava tirar partido das oportunidades oferecidas pelo Mercosul.